Marinalva Moraes e Edileusa Costa, duas mulheres migrantes do estado do Maranhão, com um único propósito: promover uma alimentação mais saudável em Roraima. Assim nasceu o “Camponesas do Lavrado”, um projeto agroecológico que valoriza a agricultura familiar livre de agrotóxicos.
No final de 2021, na região do Projeto de Assentamento (PA) Nova Amazônia, zona rural de Boa Vista, o grupo surgiu a partir de um convite da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). O objetivo era formar um grupo de mulheres dedicadas à prática da agricultura sustentável.
No início, foi uma tarefa difícil, pois Marinalva conseguiu reunir apenas quatro mulheres. Segundo a dupla, muitas pessoas ainda não acreditam em uma agricultura que não utiliza veneno e que respeita o meio ambiente. Vale destacar que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 90% dos produtores de orgânicos no Brasil são agricultores familiares.
Marinalva ressalta que, para a produção, as camponesas utilizam insumos que vêm do próprio quintal.
“A gente trabalha sem veneno e usa componentes do lote, folhas, esterco da galinha, de gado... se compramos estrume, pesquisamos para saber de onde ele vem, sempre estamos nos policiando”, afirmou.
Cada camponesa tem sua própria roça, com um plantio diversificado. A produção varia de acordo com a época do ano e as condições climáticas. Por isso, há uma grande variedade de produtos: tomate, alface, couve, pepino, macaxeira, abóbora, cenoura, banana, ovos de galinha caipira e de codorna, até morangos.

A venda dos produtos também é simples. Desde o começo, as camponesas procuraram oferecer os produtos em feiras, muitas vezes nas calçadas.
“Íamos vender na chuva, sabíamos que seria difícil naquele dia, mas tentávamos mesmo assim. Às vezes, nos acomodávamos na barraca de outra pessoa, porque a única renda que eu tenho é da feira, eu preciso sobreviver com o que tenho no lote”, explica Edileusa.
O projeto cresceu e, há 2 anos, as camponesas se tornaram uma associação. Algumas ajudas e conquistas mudaram a realidade dessas duas mulheres.
Co-agricultores: a nova filosofia do consumo responsável
Logo no início, as camponesas receberam apoio da Universidade Federal de Roraima (UFRR), por meio do Projeto Coletivo de Consumidores Responsáveis, que aproxima compradores e agricultores, criando uma relação para além do simples comércio.
O projeto é fruto de uma parceria da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreendimentos Solidários (ITCPES) da UFRR e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Funciona como uma espécie de Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA).
Desde 2021, as camponesas preparam cestas compostas por 12 produtos, que vão desde raízes e hortaliças até plantas medicinais. Essas cestas são entregues para algumas famílias em ciclos de quatro ou cinco semanas, sempre às quartas-feiras, no Parlatório da UFRR.

O coletivo surgiu durante a pandemia de Covid-19, o que, segundo Edileusa, foi fundamental para elas.
“Quando tudo parou e não tínhamos onde vender, chegou esse projeto e nos ajudou muito. Já atendemos até 35 famílias através do coletivo, hoje estamos com 18”, destacou.
O coletivo diferenciando-se da lógica tradicional de mercado, não utiliza o termo ‘consumidores’ para quem adquire as cestas, mas sim ‘co-agricultores’.
“É como se fosse uma pessoa que acredita no agricultor e financia o processo de produção. Tanto que o pagamento dentro do coletivo é feito antes das entregas das cestas, no início de cada mês”, explicou Cleane Nascimento, coordenadora do projeto.
Ou seja, os co-agricultores sabem de onde vêm os produtos. Além disso, eles são cientes que os itens nas cestas podem variar de acordo com a época do ano, problemas climáticos ou imprevistos durante a produção. Nesse contexto, os co-agricultores contribuem para o fortalecimento dos princípios da Economia Solidária como cooperação, respeito à natureza e consumo solidário.
Apoio e crescimento: como o Sebrae tem transformado as camponesas
Com o tempo, as camponesas foram se aperfeiçoando e observaram mudanças significativas em sua forma de comercializar e produzir, grande parte graças ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Roraima (Sebrae-RR).
Edileusa, filha de agricultor, explica que sua experiência com o mercado era limitada, já que seus pais produziam apenas para consumo próprio. Todo o conhecimento que ela tem hoje é atribuído ao Sebrae.
“Muita gente diz que falo demais dessa instituição, mas aprendi muito com eles. Foi o Sebrae que abriu as portas para mim, me ensinou a produzir e a vender”, ressaltou.
Em Roraima, a Unidade de Competitividade Agroambiental (UAGRO) do Sebrae é o setor responsável pela agricultura familiar, realizando visitas de campo e oferecendo suporte técnico, consultoria e acesso a mercados.
Segundo o trainee da UAGRO, Helmes Filho, o objetivo do órgão é ajudar os produtores com acompanhamento técnico nas propriedades. Ele explica que os engenheiros agrônomos e técnicos do Sebrae são responsáveis por esse trabalho.
“Esses profissionais visitam os locais, observam a produção, ajudam a corrigir o solo, controlar pragas e fornecem orientações simples e práticas para melhorar o dia a dia da lavoura. O projeto também oferece cursos, como de poda, certificação e outros temas que ajudam o produtor a melhorar o que ele já faz”, explicou.
De acordo com Helmes, cerca de 120 produtores são atendidos pelo projeto, incluindo aqueles que trabalham com agricultura orgânica, convencional ou estão migrando de um modelo para outro. Além disso, são acompanhadas propriedades tanto da capital quanto do interior, como as de Bonfim e Rorainópolis. Esta última cidade também está recebendo visitas das camponesas.
O futuro das camponesas: ensinar e inspirar novas gerações

As camponesas também transformam o que cultivam em doces, sabão e temperos - Foto: Lauany Gonçalves
O projeto vai além. Marinalva e Edileusa cultivaram durante anos, aprenderam e se aperfeiçoaram, e hoje são chamadas para ensinar outras pessoas.
“Nós já fomos duas vezes em Rorainópolis, com o grupo ‘Seu Orgânico’. Eles pediram para orientá-los na célula de consumo. Também já tem pessoas de Bonfim e Mucajaí querendo nossa ajuda”, destacou Edileusa.
As camponesas foram agraciadas em 2024 com o projeto ‘Boa Vista Acolhedora’ da Associação Voluntários para o Serviço Internacional Brasil (AVSI). Neste ano, em maio, elas foram contempladas com outro projeto, desta vez pela Fundação Labora Brasil. Marinalva e Edileusa ficaram em 6º lugar (de 21 participantes) no edital nacional ‘Fortalecendo Trabalhadores Informais na Luta por Direitos 2025’.
Passo a passo, ambas esperam que o projeto inspire outras mulheres a seguir o exemplo das Camponesas do Lavrado.
“Para mim, o grupo foi um divisor de águas. Gostaria muito de ver esse projeto crescer mais e despertar em outras mulheres a visão do trabalho agroecológico”, concluiu Edileusa.
Atualmente, as camponesas realizam sua própria feira todo sábado, das 6h às 12h, em um local autorizado pela Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (EMHUR). Para conhecê-las, o endereço é: Av. Soldado da Polícia Militar João Alves Brasil, 229, bairro Caranã. Além disso, elas também estão no Instagram: @camponesasdolavrado.
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