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Evangelização e Memória: a Igreja de Roraima e os povos indígenas nos 300 anos de missão

Esta é a quarta reportagem da série dos 300 anos de evangelização da Diocese de Roraima, com o tema: Memória índigena e pastoral indigenista.

Evangelização e Memória: a Igreja de Roraima e os povos indígenas nos 300 anos de missão
Foto: Kayla Silva - Rádio Monte Roraima
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Celebrar os 300 anos de evangelização em Roraima é também revisitar um capítulo fundamental da história amazônica: a relação da Igreja Católica com os povos indígenas. Ao longo de três séculos, essa presença missionária passou por fases distintas, muitas vezes conflituosas, mas também profundamente transformadoras, tanto para os povos quanto para a própria Igreja. Um dos marcos mais expressivos dessa história é a atuação da Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima e o compromisso com a vida, a cultura e os direitos dos povos originários, especialmente o povo Yanomami.

Missão e memória: a experiência com o povo Yanomami

Em entrevista especial, o padre Corrado Dalmonego, missionário da Consolata com mais de 18 anos de atuação na Diocese, reflete sobre a missão vivida entre os Yanomami e a dimensão espiritual dessa presença eclesial. Ele destaca que celebrar o jubileu da evangelização é, antes de tudo, fazer memória viva de uma história marcada por aprendizados e lutas.

“Fazer memória não é apenas lembrar o passado, é viver no presente. A história da evangelização em Roraima também foi um deixar-se evangelizar. A Igreja aprendeu com os povos indígenas, descobriu uma nova espiritualidade e uma nova forma de viver a missão”, afirma.

Padre Corrado recorda que a chegada dos missionários da Consolata à Prelazia do Rio Branco (hoje Diocese de Roraima) foi um marco para a opção missionária junto aos indígenas. Inspirados por São José Allamano, os missionários buscavam a “verdadeira missão”, aquela que se faz ao lado dos mais vulneráveis. A Missão Catrimani, entre os Yanomami, tornou-se símbolo desse compromisso.

A atuação, porém, não foi isenta de conflitos ou erros. Padre Corrado reconhece as ambivalências históricas da Igreja, especialmente quando a evangelização se confundiu com colonização. No entanto, ele destaca a presença de figuras proféticas, como Dom Aldo Mongiano, que assumiram com coragem a defesa dos povos indígenas mesmo diante de perseguições.

“Celebrar os 300 anos no contexto do Jubileu Bíblico é também devolver terras, perdoar dívidas históricas e libertar aqueles que ainda vivem em escravidões modernas. Esse é um chamado da fé, da justiça e da missão”, diz o missionário.

Ao longo dos anos, a missão junto aos Yanomami transformou não só o modo de evangelizar, mas também a própria espiritualidade da Igreja local.

“Eu fui evangelizado por eles. Descobrimos que a floresta não é apenas um lugar, mas um sujeito. Os Yanomami dizem: ‘nós também somos floresta’. Isso nos desafia a rever nossa relação com o sagrado e com a criação”, afirma Corrado.

Ele lembra que a crise humanitária enfrentada pelos Yanomami em 2023 é reflexo de um modelo predatório de exploração. A Igreja, ao lado das comunidades, denunciou o garimpo ilegal e a omissão do Estado, mantendo viva sua missão profética.

“Os desafios atuais são grandes: ameaças políticas, projetos de lei que violam direitos constitucionais, devastação ambiental e exclusão. Mas a missão continua. E ela nos pede fidelidade, coragem e presença.”

Pastoral Indigenista: presença, escuta e compromisso

Dois outros missionários estrangeiros que atuam na Diocese de Roraima também compartilharam suas experiências à frente da Pastoral Indigenista: o padre Matias Bezze, da Diocese de Pádua (Itália), e o irmão comboniano Simão Bauci. Ambos destacam o papel da Igreja como parceira dos povos indígenas na luta por direitos, especialmente à terra, e ressaltam o desafio constante de estar presente, de forma humilde e comprometida, no cotidiano das comunidades.

“A Diocese de Roraima esteve, está e estará ao lado dos povos indígenas. Há uma aliança histórica construída na luta pelos direitos, especialmente pela terra, e esse compromisso é o que celebramos nestes 300 anos”, afirmou padre Matias.

O irmão Simão, que chegou ao estado em 2020, também sublinha que a missão da Igreja junto aos povos indígenas é marcada por uma transformação: da antiga “pastoral da desobriga” – centrada em sacramentos e conversões – para uma presença respeitosa, dialógica e intercultural.

“Hoje caminhamos com mais respeito. Primeiro escutamos, depois partilhamos a fé. O Vaticano II foi um divisor de águas. Aprendemos que os povos indígenas têm muito a nos ensinar, inclusive espiritualmente”, disse.

Atualmente, a Pastoral Indigenista da Diocese conta com cerca de 30 missionários e missionárias atuando em todo o estado, organizados em 10 equipes. O trabalho inclui visitas a comunidades, muitas delas em áreas de difícil acesso – além de formação religiosa, humana e social. Em Boa Vista, a atuação se intensifica diante do número crescente de indígenas em situação urbana, especialmente migrantes Yanomami.

Apesar dos avanços, os desafios são muitos. A presença missionária precisa enfrentar dificuldades logísticas, escassez de vocações e uma crescente ofensiva política e econômica contra os direitos indígenas. Um ponto crítico destacado pelos missionários é a tentativa de divisão das lideranças e comunidades indígenas, o que compromete as lutas coletivas por território e dignidade.

“O desafio não é apenas manter a presença, mas fortalecer a atuação dos próprios indígenas e dos leigos. O futuro da pastoral depende deles. Por isso, temos iniciado formações voltadas aos leigos da região”, explicou irmão Simão.

Os missionários participaram ativamente do Jubileu dos Povos Indígenas, evento que fez parte das comemorações dos 300 anos da evangelização, e reforçaram que a missão da Igreja em Roraima é caminhar com os mais pobres, como enfatiza o Papa Francisco.

“Roraima é terra indígena. Caminhar com os povos indígenas é caminhar com Jesus Cristo. A missão não é impor, mas se deixar transformar pelo outro. E nós, missionários, somos chamados a isso”, completou padre Matias.

A reportagem encerra com um chamado à ação: a Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima convida leigos e leigas que sentem esse mesmo desejo de caminhar com os povos originários a se engajarem na missão.

“Os povos indígenas não precisam de nós. Somos nós que precisamos deles. Eles têm muito a ensinar sobre cuidado com a terra, respeito à vida e espiritualidade. Venha conhecer a Pastoral Indigenista”, concluiu irmão Simão.

FONTE/CRÉDITOS: Dennefer Costa
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