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60 anos sem registro: a história de Pedro e o direito de existir

Após anos sem documentação, idoso conquista certidão de nascimento e outros documentos essenciais com apoio da Defensoria Pública de Roraima.

60 anos sem registro: a história de Pedro e o direito de existir
Pedro, de 60 anos, com os documentos em mãos - Foto: Lauany Gonçalves
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Um idoso de 60 anos, que sempre contava inúmeras histórias sobre sua origem, agora pode afirmar e comprovar que nasceu em 19 de fevereiro de 1963, no município de União, no Piauí. Filho de Augostinho Vicença da Silva e Antonia Fernandes de Miranda, Pedro Fernandes de Macedo finalmente conseguiu, neste ano, emitir sua certidão de nascimento.

A saga para obter a documentação foi extensa e cheia de entraves. Quem se deparou com a situação de Pedro foi a atual presidente da Associação Grupo de Mães Anjos de Luz, Conceição Gomes. Ela conta que, ao chegar ao local em 2022 para atuar como voluntária, percebeu que algumas pessoas não possuíam nenhum documento, entre elas, Pedro. Como a entidade desenvolve atualmente um trabalho voltado para a reintegração dos moradores às suas famílias, a documentação é fundamental, já que muitos têm parentes em outros estados.

Conceição iniciou então as buscas pelos documentos de Pedro. Primeiro, ele foi encaminhado ao Instituto de Criminalística, onde teve as digitais coletadas, mas nenhum registro foi encontrado.

“Levamos ele até o 5º Distrito Policial de Roraima, onde coletaram digitais e realizaram um escaneamento, mas foi como se o Pedro não existisse em lugar nenhum”, relatou.

A solução surgiu após uma conversa de Conceição com o defensor público-geral de Roraima, Oleno Matos, que determinou que uma equipe da Defensoria Pública do Estado (DPE-RR), por meio da Defensoria Itinerante, fosse até a associação. No local, foram realizados diversos procedimentos, inclusive buscas em órgãos de outros estados. Segundo a assessora jurídica da DPE Itinerante, Gabrielle Teixeira, a situação era complexa devido à ausência de informações.

“Realizamos diligências em cartórios do Piauí, onde ele dizia ter nascido, mas todos os pedidos retornaram como certidão negativa ou rejeitada. Encaminhamos Pedro ao Instituto de Identificação, que constatou que ele não tinha nenhum registro em Boa Vista”, explicou.

Mesmo após buscas nacionais, nada foi encontrado. Pedro foi então encaminhado à juíza Graciete Sotto Mayor, titular da Vara da Justiça Itinerante, por meio do mutirão Direito de Existir. Durante audiência presencial, a magistrada ouviu a história do idoso, analisou as informações e julgou o pedido procedente. Em oito dias, a tão aguardada certidão foi emitida e entregue a Pedro pela própria defensoria.

Gabrielle e Pedro no momento da entrega da certidão - Foto: ASCOM DPE-RR
Gabrielle e Pedro no momento da entrega da certidão - Foto: ASCOM DPE-RR

Com o documento em mãos, foi possível também emitir a Carteira de Identidade (RG), o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e realizar a inscrição no Cadastro Único (CadÚnico). Até hoje, Pedro se emociona ao ver os documentos em mãos.

Um sorriso que fala por si. Pedro com sua certidão - Foto: Lauany Gonçalves
Um sorriso que fala por si. Pedro com sua certidão - Foto: Lauany Gonçalves

“Agradeço muito à Defensoria por ter conseguido meu registro de nascimento e me ajudado com todas as minhas outras documentações”, disse.

                                     

Segundo Conceição, a felicidade foi tão grande que ela precisou tirar uma cópia da certidão, pois Pedro passou dez dias admirando o documento.

“Foram anos tentando resolver a situação dele, mas só conseguimos de fato quando a defensoria entrou no caso. A equipe foi muito comprometida, acompanhou tudo de perto, me dava retorno de cada passo e compareceu várias vezes até solucionarmos”, ressaltou.

                                     

EXISTIR COM DOCUMENTOS

O registro tardio de Pedro foi um dos 21 emitidos durante o mutirão Direito de Existir, realizado nos dias 14 e 15 de abril de 2025, na Praça do Centro Cívico, em Boa Vista.

A iniciativa partiu da Defensoria Itinerante, diante da obrigatoriedade da certidão de nascimento para a emissão do RG. Segundo Gabrielle Teixeira, anteriormente era possível apresentar outros documentos, como certidão de batismo ou carteira de trabalho, mas hoje isso não é mais aceito.

“Muitas pessoas possuem documentos desatualizados, como RG, CPF e comprovante de residência, mas não têm ou desconhecem a certidão de nascimento. O mutirão focou justamente nesses casos de adultos que não tinham nenhum indício de registro”, explicou.

Nos dois dias de ação, a defensoria realizou mais de 500 atendimentos, grande parte relacionados ao Registro Civil. Além dos 21 registros tardios, foram emitidas 244 segundas vias, 120 retificações, 76 restaurações, entre outros serviços.

A emissão de primeira ou segunda via de certidões é uma das maiores demandas da Defensoria Itinerante, que oferta o serviço há mais de 11 anos. Desde então, foram criados mecanismos internos para que o processo seja concluído em apenas um dia, garantindo o direito de muitos cidadãos.

O mutirão contou com o apoio do Instituto de Identificação Odílio Cruz (IIOC), da Receita Federal, da Justiça Itinerante, do Ministério Público de Roraima (MPRR), da Defensoria Pública da União (DPU) e dos Cartórios do 1º e 2º Ofício. Foram atendidos moradores da capital e do interior, incluindo indígenas, migrantes, pessoas em situação de rua e abrigados em instituições, como Pedro, da Associação Anjos de Luz.

ANJOS DE LUZ: RECOMEÇO SEGURO

Pedro, que vivia em situação de rua, sofreu um acidente que o deixou deficiente. Sem conseguir localizar sua família, ele foi encaminhado pelo MPRR e pelo Hospital geral de Roraima Rubens de Souza Bento (HGR) à Associação Grupo de Mães Anjos de Luz, então presidida pela fundadora Maria das Dores.

A entidade, oficializada em 2008, nasceu com o propósito de ajudar pessoas com deficiência e servir como casa de passagem para famílias do interior, de outros estados ou países vizinhos, que precisavam permanecer na capital durante tratamentos médicos. Com o tempo, o espaço também se tornou lar para muitos.

“Maria tinha um coração enorme e chegou a acolheu cerca de 46 pessoas como moradores da casa. Hoje buscamos nos transformar de fato em casa de passagem, mas ainda temos oito residentes. Nosso objetivo é reinseri-los nos vínculos familiares, como já fizemos com outros que passaram por aqui”, contou Conceição.

A expectativa é que, até o final do ano, Pedro seja levado para reencontrar familiares em Caxias, no Maranhão, já com todos os documentos em mãos.

“Estamos organizando consultas, dando entrada nos benefícios a que ele tem direito e, talvez em novembro, ele já embarque em um avião”, destacou.

Pedro e Conceição com os documentos conquistados - Foto: Lauany Gonçalves
Pedro e Conceição com os documentos conquistados - Foto: Lauany Gonçalves

O local dispõe de estrutura qualificada não apenas para acolhimento, mas também para suporte gratuito em diversas áreas: fisioterapia, hidroterapia, nutrição, odontologia, clínica geral, psiquiatria, neurologia, além de dormitórios e espaços de lazer.

A Associação Anjos de Luz atende pessoas com deficiência dos 15 municípios de Roraima e das duas fronteiras. A sede fica na Avenida Soldado PM João Alves Brasil, nº 115, bairro Caranã, zona Oeste de Boa Vista.

FONTE/CRÉDITOS: Lauany Gonçalves
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