Em resposta à aprovação do Marco Temporal pelo Senado Federal, comunidades indígenas de Roraima iniciaram, na manhã desta quarta-feira (10), uma série de protestos que bloqueiam importantes rodovias federais no estado. A mobilização, que integra um ato nacional de resistência, é centrada na BR-174, na altura da Comunidade Sabiá, em Pacaraima, fronteira com a Venezuela.
Os manifestantes interditaram a rodovia desde às 7h30, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Apesar do bloqueio, o fluxo de veículos não foi totalmente interrompido. No momento a mobilização está parada e tem previsão de retorno às 14h.
Segundo informações, ações semelhantes ocorrem na BR-432, na entrada da comunidade Tabalascada (Serra da Lua), e nas regiões do Baixo Cotingo (Comunidade São Francisco) e Amajari (Comunidade Mangueira). O Conselho Indígena de Roraima (CIR) coordena os atos, previstos para continuar até a próxima sexta-feira (12).
O estopim dos protestos foi a decisão do Senado, na terça-feira (9), que aprovou em dois turnos a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2024, de autoria do senador Hiran Gonçalves (PP-RR). A PEC institucionaliza o chamado "marco temporal", tese que restringe a demarcação de terras indígenas apenas às áreas que estavam fisicamente ocupadas por esses povos na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988.
Confronto com o STF
A votação no Congresso representa um choque direto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro de 2023, o plenário da Corte, ao analisar um caso específico, julgou inconstitucional o marco temporal, considerando que o direito dos povos indígenas às suas terras é originário, ou seja, não depende de uma ocupação em data específica. A PEC aprovada busca justamente alterar a Constituição para contrariar esse entendimento.
"Temos nossos filhos, o futuro, a nossa semente pra trabalhar nesta terra. Deixamos nosso recado: que o Supremo Tribunal respeite o povo originário desta terra no Brasil e no mundo inteiro. Fora Marco Temporal!", declarou uma liderança da Terra Indígena Raposa Serra do Sol durante os protestos.
Na véspera da votação, uma delegação de lideranças de Roraima esteve em Brasília e entregou no gabinete do senador Hiran uma carta de repúdio. No documento, afirmam que a medida "abre um caminho destrutivo para os territórios indígenas" ao tentar restringir direitos já consolidados.
Além do autor da PEC Hiran Gonçalves (PP-RR), os senadores Chico Rodrigues (PSB-RR) e Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que votaram a favor da proposta, são alvos diretos das críticas das comunidades.
Próximos passos e tensão judicial
Agora, a PEC 48/2024 segue para análise da Câmara dos Deputados. Paralelamente, o STF mantém em sua pauta o julgamento de quatro ações que questionam a constitucionalidade da *Lei 14.701/2023* (lei do marco temporal aprovada pelo Congresso em 2023). O ministro relator, Gilmar Mendes, determinou a suspensão de todos os processos judiciais sobre o tema no país até que o Supremo dê uma palavra final.
Os protestos em Roraima refletem a tensão e o impasse entre os poderes. Enquanto o Congresso avança na tentativa de consolidar o marco temporal via emenda constitucional, o Judiciário tem um entendimento contrário, e os povos originários se mobilizam nas estradas e em Brasília para defender o que consideram um direito fundamental: a terra.
A PRF informou que atua nos locais dos bloqueios realizando um perímetro de segurança e negociando com os manifestantes para a liberação das vias. A corporação ainda aguarda notificação oficial sobre a interdição na BR-432.
Comentários: