Se o noticiário insiste em dizer que estamos a alguns passos do apocalipse ambiental e a ciência confirma isso, algumas comunidades já encontraram uma forma bem concreta de responder a esse cenário: plantar, cuidar, transformar e ensinar. Em Boa Vista, iniciativas que unem fé e sustentabilidade mostram que a Ecologia Integral não é só um discurso bonito, mas um caminho possível para enfrentar crises sociais, ambientais e espirituais.

UMA RESPOSTA DA IGREJA AO COLAPSO AMBIENTAL
A ideia de Ecologia Integral ganhou força em 2015, quando o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato Si’. O documento afirma que “tudo está interligado”: a destruição ambiental, a pobreza, as desigualdades e o estilo de vida consumista fazem parte de um mesmo sistema que precisa ser revisto. Para o Papa, o cuidado com o planeta não é apenas uma pauta ambiental é um dever espiritual, social e ético.
Em Roraima, onde mudanças climáticas já impactam desde a produção agrícola até o regime de chuvas, a mensagem encontrou terreno fértil. E dois projetos visitados pela equipe do Pauta COP mostram como a espiritualidade pode inspirar soluções práticas.
O POÇO DA SAMARITANA: FÉ QUE BROTA DA TERRA

Na Área Missionária Santa Rosa de Lima, o padre Lorenzo Dall’Olmo, pároco e coordenador do projeto Poço da Samaritana, explica que a proposta é simples: unir espiritualidade e ação concreta. “O Papa Francisco nos lembrava que cuidar da criação é cuidar da vida. É rezar com as mãos”, diz o sacerdote, destacando que ecologia é compromisso com a Casa Comum.
A iniciativa mantém uma horta comunitária construída e cuidada por voluntários. Ali, a agrônoma Iolanda Martins transforma conhecimento técnico em solidariedade. Ela explica que a produção da horta é dividida entre as voluntárias, famílias da comunidade e projetos que atendem crianças.
“Não é só plantar. É entender o ciclo, o respeito à terra, o uso consciente da água, a partilha. É viver na prática aquilo que a Ecologia Integral chama de harmonia entre pessoas e natureza”, afirma Iolanda.
O projeto também promove rodas de conversa, mutirões e cursos básicos sobre compostagem, hortas caseiras e cuidado com o solo práticas simples, mas que fortalecem a autonomia das famílias e criam uma cultura de responsabilidade ambiental.

RESÍDUOS QUE VIRAM SOLUÇÃO: A ASSOCIAÇÃO AMAZÔNIA ECOLOGIA INTEGRAL
A reportagem também visitou a Associação Amazônia Ecologia Integral, organização que atua na conscientização ambiental e na destinação adequada de resíduos sólidos. Conversamos com a presidente, Juliana Leitão, que conta que a associação nasceu da preocupação de transformar o que seria lixo em oportunidade.
A entidade recolhe materiais descartados pela população, como papel, plástico, vidro e alumínio e auxilia produtores e famílias que ainda não têm apoio técnico para gerir seus resíduos.
“O objetivo é reduzir o impacto ambiental e, ao mesmo tempo, fortalecer uma economia solidária. Os resíduos que antes eram problema viram geração de renda e apoio aos pequenos produtores”, explica a presidente.
Dados recentes de organizações internacionais mostram que o mundo produz mais de 2 bilhões de toneladas de lixo por ano, e que apenas uma minoria passa por reciclagem. Na Amazônia, o acúmulo inadequado de resíduos afeta rios, igarapés, fauna e até a saúde das comunidades, já que áreas mal manejadas aumentam riscos de contaminação e queimadas.
Além disso, o aquecimento global está elevando temperaturas recordes na região, alterando a produtividade agrícola e modificando o comportamento da fauna. O que parece exagero de fim de mundo, “a Amazônia vai derreter”, “ninguém mais vai colher nada”, “os rios vão sumir”, na verdade, já começa a aparecer em dados científicos e na rotina de quem vive na região.
Mas, como destacam o padre Lorenzo e Juliana, há soluções possíveis. Pequenas ações comunitárias, quando fortalecidas, tem efeito de multiplicação.
A Espiritualidade Ecológica propõe um jeito diferente de viver: enxergar o ambiente como parte da vida espiritual. Não é só rezar pela natureza é mudar hábitos, cuidar da terra, criar vínculos com o território e com as pessoas.
Nos projetos visitados, essa espiritualidade está presente no cultivo da horta, no reaproveitamento dos resíduos, na partilha dos alimentos e na consciência de que cada gesto muda algo, mesmo que pequeno, diante de um mundo que parece sempre à beira do colapso.
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