Nos dias 25 e 26 de maio, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, na região do Surumu, foi palco de um momento histórico: o Jubileu dos Povos Indígenas, celebrado como parte das comemorações dos 300 anos de evangelização em Roraima e do Ano Jubilar "Peregrinos da Esperança", convocado pelo Papa Francisco. O evento, organizado em comunhão com a Diocese de Roraima, reuniu mais de mil pessoas, superando todas as expectativas, e destacou a aliança profunda entre a Igreja Católica e os povos originários.
Dom Evaristo Spengler, Bispo de Roraima, ressaltou que o jubileu foi um marco simbólico não apenas para a evangelização, mas também para a luta e resistência dos povos indígenas."Foi uma grande festa de irmãos, celebrando essa caminhada, esse jubileu da aliança, uma aliança histórica, profunda, dos Povos Indígenas com a Diocese de Roraima", afirmou Dom Evaristo.
Diferente de eventos assistenciais, o jubileu foi idealizado e organizado pelos próprios indígenas, desde a logística de transporte até a preparação das refeições. Um dos momentos mais emocionantes foi a ordenação diaconal de Javan, um indígena Macuxi, no dia 26 de maio – data que marca 48 anos do "Dia da Decisão" (26 de abril de 1977), quando os povos do Surumi optaram pela autonomia e pela preservação de sua cultura, com o apoio da Igreja.
O Jubileu na Perspectiva Bíblica e Histórica
Dom Evaristo explicou que, no Antigo Testamento, o jubileu representava o perdão das dívidas, a libertação dos escravos e a devolução das terras. Em Roraima, esse espírito se concretizou com a demarcação da Raposa Serra do Sol e a superação da exploração histórica que subjugou indígenas a trabalhos análogos à escravidão."Esse povo que vivia endividado com patrões, comprando produtos caros e sem direito à própria terra, hoje é autônomo. O jubileu, para eles, já aconteceu na prática", destacou o bispo.
Apesar das conquistas, novas ameaças surgem, como a tese do marco temporal, que condiciona o direito à terra à ocupação indígena em 5 de outubro de 1988 (data da Constituição). Dom Evaristo foi enfático:"É a maior violência contra os povos indígenas desde a Constituição. Antes, a ameaça vinha de armas; hoje, vem de leis injustas. A Igreja continuará ao lado deles nesta luta."
O bispo citou a mobilização indígena na BR-174, os protestos em Brasília e a resistência nas redes como exemplos de que a luta pela terra e pela dignidade segue firme.
O local do jubileu carrega marcas profundas: em 2005, a Missão Surumu foi incendiada por grupos contrários à aliança entre indígenas e a Igreja. As ruínas da igreja destruída permanecem como símbolo de resistência."Aquele chão é sagrado. Ali há sonhos destruídos, mas também esperanças que nos chamam a continuar", emocionou-se Dom Evaristo, mencionando pedidos para reconstruir o templo como marco histórico.
Para quem acompanhou o jubileu à distância – seja pela Rádio FM Monte Roraima, redes sociais ou transmissões ao vivo –, Dom Evaristo deixou uma mensagem:"Isso não é um ponto final, mas um reforço na caminhada. A aliança entre a Igreja e os povos indígenas é para sempre, porque Deus caminha com os pequenos."
O evento contou com a presença de lideranças nacionais, como Joênia Wapichana (presidente da Funai) e representantes da Conferência dos Religiosos do Brasil, reforçando seu caráter nacional e histórico.
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